segunda-feira, 26 de fevereiro de 2007

Só para homens

A Luna tem toda a razão. Formas generosas como as da Beyoncé e da insuflável Scarlett Johansson de olhar bovino (mesmo!), é que se tornam objecto de um culto fanático (patético, arrisco) entre a rapaziada. A sensualidade quase agressiva que entra pelos olhos dentro. Tudo o que é corporal e que é excessivo. Tudo tem que ser grande, na medida em que é óbvio, evidente, manifesto. Ou seja, como as criancinhas que ficam fascinadas com o que é saliente, protuberante, tal como com tudo o que é cor garrida ou ruído estridente.
Escapa-lhes (ainda) o que é diáfano.

(Winona Ryder)
a graciosidade,


(Rania da Jordânia)
a elegância de um porte,

(Julie Delpy)
a luminosidade de um olhar,

(Grace Kelly)
a correcção de um rosto,

são informação de difícil processamento na estética grosseira de alguns.

Há coisas, portanto, que são como o slogan daquele perfume:
Só para homens. Os rapazes ainda vão ter de esperar.

O eterno Verão

Irrita-me um bocadinho esta cultura climática que se tem vindo a impor (muito subsidiária das marcas internacionais de “moda democratizada”, rainhas do franchising) em que, em pleno Inverno, quanto maior a quantidade de pele exposta, melhor, porque também maior (supostamente) a carga sensual do conjunto.
As mulheres (jovens) devem vestir a menor quantidade de roupa possível, sobretudo nos códigos de vestuário da sociabilidade nocturna, seja de que natureza for.
E mesmo de dia: em Janeiro, vejo passar adolescentes a caminho da escola secundária, com a barriga à mostra e a aguentarem, estoicamente, os 6 graus matutinos, envergando somente um blusão justo (que observa cuidadosamente as regras do justo-e-curto para permitir o vislumbre do decote – adeus golas altas!), desprezando, alegremente, o risco da pneumonia e o empecilho de um casaco comprido (que, claro, aqueceria muito mais, mas não deixa o rabo convenientemente exposto à apreciação de terceiros, o que seria, isso sim, uma chatice). Nas Queimas das Fitas é vê-las desfilar em top’s de alças (exactamente como num dia de Agosto, com a pequena diferença de serem ao ar livre, em noites frias e chuvosas de Maio).
Lema: gaja que quer estar vestida (despida) à altura do acontecimento, rapa frio nas estações frias do ano, ponto final.
Ora bem: nem o aquecimento global é assim tão dramático que tenha tornado Portugal num clima tropical de eterno Verão, nem, com a tal história do clima temperado, as casas e demais espaços interiores estão assim tão bem aquecidos, como todos sabemos.
É, portanto, um espectáculo desconcertante para o espectador atento ver o desequilíbrio dos pares, no que à indumentária diz respeito: as festas, os bares, os restaurantes, estão repletos de homens confortáveis, invejavelmente vestidos com blusões e/ou camisolas de manga comprida, não raro de malha, e mulheres a tiritar de frio com um único casaco de Inverno a cobrir um qualquer trapo (mínimo) de cetim ou algodão de manga à cava. Como se estivessem 28 graus centígrados, quando, na realidade, estão uns 7 graus à noite.
Claro que, quem não quer seguir a ditadura, tem bom remédio. Mas isso é fácil de dizer. Esta ditadura (porque é de ditadura da moda que se trata) tem-se acentuado nos últimos anos, e para a qual muito têm contribuído os mostradores das tais grandes lojas, que praticamente só oferecem blusas finíssimas, sem mangas e sem costas, em todas as colecções de Outono/Inverno – as peças de roupa que há uns dez anos atrás estariam apenas nas colecções primaveris. De tal modo, que se torna difícil conciliar o vestuário “bonito” com o “confortável e quente” quando se quer fugir aos padrões da roupa de dia, “de trabalho”. Até porque o frio e o ser-se friorento, são ideias que se associam cada vez mais à ideia de velho, bafiento, e o que está na moda é ser-se novo, cheio de saúde, logo, encalorado.
Não admira, portanto, que haja por aí muita garota a rir despropositadamente à noite: são os esgares de enregelamento. Não duvidem.

Um certo azedume

Confirmei que nunca se bebe nada de jeito nos baby showers e que a própria comida vem infantilizada. Pelo menos nestes encontros as pessoas têm a inibição que não se vê nos casamentos e não me chateiam com insinuações de que o próximo serei eu. Sim, acuso um certo azedume.

Daqui.

Tagarelar ancestral

Dizer o não-dito: tal é o projecto da escrita. A meia-distância entre dizer e não dizer há o cliché, que enuncia, apesar da usura, uma parte da realidade. O bebé entrega-me a uma forma de amizade com os lugares-comuns; torna-me curiosa a seu respeito, faz com que eu os levante como se fossem pedras para ver, por baixo deles, o correr das verdades.
Escuto o rumor do hospital, as puericultoras, as outras mães, a minha própria educação, as frases das revistas ilustradas, o ruído de fundo da psicologia: a minha fibra maternal. Aquilo a que chamam o instinto, feito de ditados e de provérbios, de testemunhos e de conselhos: um tagarelar ancestral.

Marie Darrieussecq, “Le Bébé

sexta-feira, 23 de fevereiro de 2007

Cartilha de Bruni


De top model dos anos 90 com mau génio a mulher no esplendor dos 39 com voz de quem saiu do sono há pouco, Carla Bruni diz de sua justiça:

Quando eu era manequim sentia falta de uma atmosfera mais criativa, ou seja, nessa altura era apenas um objecto, não participava no processo criativo. Essa parte ficava nas mãos dos fotógrafos e produtores – até os maquilhadores tinham mais influência do que eu.

Penso que não era suposto a vida humana durar tanto tempo como dura actualmente, devido aos avanços da medicina. Em tempos, quando se morria aos 30/35 anos, seria mais fácil manter uma relação longa, mas, se morremos aos 89, já é diferente. (…) Provavelmente não teremos apenas uma, mas sim duas ou três relações duradouras ao longo da vida.

“Those dancing days are gone”


A voz langorosa de Carla Bruni a adocicar o ar. As gotas de chuva a escorrer nos vidros das janelas.

quarta-feira, 21 de fevereiro de 2007

Num jantar do Sim, pré-referendo, a mensagem de uma amiga que acaba de conhecer RAP pessoalmente :
"De repente, toda a questão do referendo parece-me muito longínqua."

O cair das máscaras

porque o Carnaval acabou.
Há um conhecido blogger, controverso, provocador, acutilante. Por detrás dos posts e do template, resume-se ao sexo masculino, à Grande Lisboa, aos 34 anos, ao modesto 1, 72 m. Chubby (o mais surpreendente, e não pela negativa).
[Prerrogativas. Às vezes, sem querer, priva-se com a “alta-roda” da blogoesfera portuguesa. E há dissonâncias entre imagens e realidade.]

sexta-feira, 16 de fevereiro de 2007

Foi você que pediu

um Reynaldo Gianecchini?

Alexandre O'Neill

Foi autor, como se sabe, da célebre frase "Há mar e mar, há ir e voltar", na campanha do Instituto de Socorros a Náufragos, que passava na televisão nos Verões da minha infância, com a melancólica "Surfer Girl" dos Beach Boys, a tocar em fundo.

Igualmente conhecido, mas não tanto pela sua igual autoria, é o antigo slogan: "Bosh é bom" (não acrescentar rr indevidamente).

Kit de sobrevivência II

Let me not to the marriage of true minds
Admit impediments. Love is not love
Which alters when it alteration finds,
Or bends with the remover to remove:

O no! it is an ever-fixed mark
That looks on tempests and is never shaken;
It is the star to every wandering bark,
Whose worth's unknown, although his height be taken.

Love's not Time's fool, though rosy lips and cheeks
Within his bending sickle's compass come:
Love alters not with his brief hours and weeks,

But bears it out even to the edge of doom.
If this be error and upon me proved,
I never writ, nor no man ever loved.

William Shakespeare (1564 – 1616), Soneto 116

Kit de sobrevivência I


Quando, no meio de um bando de garotos, mal saídos da adolescência, não se encontra o amor; quando, no meio do barulho das festas, há um pedido surdo de socorro.
Quando a vida submerge e se tenta, desesperadamente, vir à tona.

Sintonia

A estar triste, prefiro no Inverno. Assim como assim, há o recolhimento, os dias negros e a metafórica promessa primaveril. Não há nada pior que a bofetada do calor, e de toda a antítese do Verão, para uma melancolia que se quer curtir bem.

O Livro do Meio

Anteontem, no telejornal da Sic Notícias, apresentado por Mário Crespo (não sei se é impressão minha, mas a lembrar o Carlos Pinto Coelho quando... Acontecia): Maria Velho da Costa (uma das três Marias, de 1972), co-autora do livro que já está ali na estante, prontinho para ser “devassado”.

terça-feira, 13 de fevereiro de 2007

Em certas noites, há que ficar assim:

énnuie, mas à boa maneira das Bennett. É a tal questão do camarote.

segunda-feira, 12 de fevereiro de 2007

Nos últimos dias

Em jantares, no café, nos bares, em aniversários, o mundo dividiu-se entre quem é do Sim e quem é do Não.

Nome

O seu maior pesadelo, naquele fim de semana, era o seu nome não constar:
a) na lista de reserva de umas calças lindas de tão justas, na loja em saldos;
b) dos cadernos eleitorais.

Referendo (3)

E agora, depois de uma luta que já dura desde 1998 (pelo menos para mim - altura em que, assumo, não fui votar porque não podia, e, novata na faculdade, ao tempo, não imaginava que uma questão tão clara e evidente para mim, fosse tão fracturante para a sociedade do país que eu então julgava conhecer), já estou um bocado cansada de falar e ouvir falar de abortos:

Referendo (2)

Este é um tímido princípio (tardio) para um longo processo. O maior desafio, a partir de agora, será passar da law in the books para a law in action, o que, sabemos, é sempre o mais difícil. Ou seja, coadunar as práticas dos profissionais e instituições envolvidos com a aplicação correcta da lei. Porque Portugal tem um quadro constitucional e legislativo muito avançado, claro. Quanto às práticas, aí, é que a porca torce o rabo. Mas é bem certo que, a partir de hoje, "vai haver menos medo". E isso já faz toda a diferença. Finalmente.

Referendo (1)




(Janeiro e Fevereiro de 2007)

(Para um dia mostrar aos netos dos meus amigos.)

sexta-feira, 9 de fevereiro de 2007

Paliativos de Austen


Não é o Dr. House, é Mr. Palmer.

E há alturas, estou convicta, em que o único remédio é mesmo o regresso à velha Jane, e as reconfortantes heroínas de sempre e respectivas provações (não o cliché do Mr. Darcy, for heaven’s sake).

Convoquemos, pois, exércitos (bem preparados e aguerridos) de Mariannes Dashwoods e as duras lições aprendidas com os Wiloughbys deste mundo (“But not enough. Not enough.”). Chamemos a nós hostes de Eleanors, com tácticas militares de estóica perseverança perante os enredos mais caprichosos desta vida; armemo-nos de perspicácia irónica e wise wit de Elizas Bennetts para defrontarmos as Misses Bingleys e Lucys Steels do mundo. Ataquemos, beligerantes, com trincheiras de Annes Elliots e dos seus oito anos de persuadida separação de Cmte. Wentworth, e também, porque não?, do ânimo bem humorado (todo o exército precisa de levantar a moral) de Emmas Woodhouses, enredadas em danças e contradanças de pares amorosos.

Deveres cívicos

Na véspera de percorrer 500 Km, na carteira, lado a lado: bilhete de viagem e Cartão de Eleitor(a).
Esperemos que valha a pena, desta vez.

quinta-feira, 8 de fevereiro de 2007

As alíneas da derrota precoce

Entre os homens, padece-se de um mal: para além da outra coisa precoce, há também os derrotados precoces. São os que desistem à partida, antes de entrarem sequer na corrida.
Um amigo explicou-nos o porquê dos homens, hoje em dia, não abordarem com facilidade uma mulher bonita:
a) porque imaginam de imediato que já estará comprometida;
b) porque fantasiam hordas de admiradores, logo, a ferocidade da competição inter pares (eventualmente muito desigual à partida);
c) porque não acreditam que estão à sua altura e que a rejeição será o desfecho mais provável.
Em suma, a cobardia-sangue-aguado no seu melhor.

Sinal invertido (ou: da perenidade dos clássicos infantis)

Eis a ironia cruel da coisa. A adolescente solitária, porque tímida e magricela, transforma-se na jovem bela e elegante e, pior ainda, segura de si e de natureza indómita. O clássico patinho feio, como nos contos de fadas, dá lugar ao cisne de beleza intimidante para o sexo oposto e incómoda para o mesmo sexo. Ou seja, para situações extremas, a mesma inevitável solidão, porque refém das suas próprias virtudes externas, porque isolada na velha torre inalcançável. Como nos contos de fadas. Como se se mantivesse a mesma equação, mas invertendo o sinal.

Sobrevalorização II

Tão mais perigosa porque dá lugar à obsessão, que se transforma em idolatria, e a idolatria em tirania e fundamentalismo (estéticos). Toda a gente sabe que os feios são os estetas mais implacáveis.

Sobrevalorização I

Vejo homens (quase patologicamente) preocupados com os padrões convencionais de beleza exterior, tanto feminina como masculina. Como se dela dependesse (ou fosse factor determinante) o sucesso ou fracasso das relações. Não sei que obsessão é esta dos feios com o suplício ambivalente dos outros.

terça-feira, 6 de fevereiro de 2007

Maiko*

Tradição milenar e revolução tecnológica, lado a lado, passo a passo numa ruela de Kioto.
De um blog belíssimo, onde há muito Japão para todos os gostos. Ainda bem.

* Uma aprendiz de gueisha, creio.

segunda-feira, 5 de fevereiro de 2007


One of these days these boots are gonna walk all over you

These Boots Are Made For Walkin'


Já assim cantava Nancy Sinatra, em Fevereiro, mas de 1966.

You keep saying you got something for me
Something you call love but confess
You've been a'messin' where you shouldn't 've been a'messin'
And now someone else is getting all your best
Well, these boots are made for walking,
and that's just what they'll do
One of these days these boots are gonna walk all over you

You keep lyin' when you oughta be truthin'
You keep losing when you oughta not bet
You keep samin' when you oughta be a'changin'
What's right is right but you ain't been right yet
These boots are made for walking, and that's just what they'll do
One of these days these boots are gonna walk all over you


You keep playing where you shouldn't be playing
And you keep thinking that you'll never get burnt (HAH)
Well, I've just found me a brand new box of matches (YEAH)
And what he knows you ain't had time to learn
These boots are made for walking, and that's just what they'll do
One of these days these boots are gonna walk all over you

Are you ready, boots?
Start walkin'

sexta-feira, 2 de fevereiro de 2007

Presente(mente)

Seria tudo mais fácil se se pensasse num futuro com alguém sem passado.
Música alta, música boa, muita, muita gente, dança (a dos outros), rir, reencontrar caras há muito não vistas, conhecer caras novas, simpatia genuína com muitos, indiferença fria para os (raros) que a merecem, banhos em elogios, conversas sérias, conversas parvas, conversas seca, divertimento, alguma (pouquinha) solidão no meio da multidão, gozar com quem não reconhece músicas dos Beatles ou de Rage Against The Machine, muito calor.
Foi assim, na noite mais fria do ano.

One more time,


We're gonna celebrate.

(Estilos musicais muito discutíveis, mas que lembram coisas boas, e isso é que conta, in the matter of fact.)

Dos efeitos colaterais de um centenário de uma república

(ao telefone com uma amiga, na manhã seguinte) - Ai, estas coisas fazem tão mal. (em coro) Mas também fazem tão bem…
Um dia, quando eu estava em Cuba, houve um episódio. Quase todas as manhãs, muito cedo mesmo, eu sentava-me na varanda que dava para um jardim. Que, por sua vez, era perto de uma paragem de autocarros, onde todas as manhãs vi pessoas deslocarem-se para os seus trabalhos ou para a escola. Eu sentava-me na varanda, de manhã, como gosto de fazer nos trópicos: para sentir o ar quente e os sons exóticos que chegam até mim, misteriosos como segredos. As pessoas, ao alcance do meu olhar, ao longe, esperavam de pé as camionetas que as levariam para mais um dia de trabalho. Uma dessas manhãs, eu estava quase a voltar para dentro do quarto, ouvi um assobio. Vinha de baixo, do homem que estava a tratar do jardim. Chamou-me, fiz que não ouvi, fui para dentro. Houve uma segunda e última vez. E nunca um gesto me tinha feito sentir tão cobarde, com vergonha do meu pudor perante a pobreza, a privação, como se fosse melhor voltar o rosto e fingir que não existiam. Vergonha, da minha própria falta de coragem, perante aquela pessoa que trabalhava – as mãos calejadas, o rosto escuro curtido do sol, um chapéu – que eu pensava que me ia fazer os comoventes pedidos do costume (canetas para os filhos, e outros objectos básicos para os padrões europeus). Da segunda vez, chamou-me de forma mais insistente, não consegui ignorar. De baixo, não vieram pedidos nem lamentos pela vida dura. De baixo, atirou-me apenas uma flor do (seu) jardim.

quinta-feira, 1 de fevereiro de 2007

Silêncio, o espectáculo vai começar

Silenciosa, decidiu abdicar da sua carreira como protagonista da trama. A partir daquele momento, assistia às vicissitudes da vida apenas como atenta espectadora. Mas do alto do camarote real.

A ver passar navios

Na busca de uma certa identificação, procuramos estar com quem melhor se ajusta ao nosso presente estado de alma, e não quem nos atire à cara uma alegria jocosa. Ou ler quem melhor escreveu sobre sentimentos consonantes. Na blogosfera passa-se o mesmo. E, assim que a escrita do outro começa a revelar sinais de "recuperação", não há motivos para preocupação. Há sempre outro alguém que, nesse novo momento de partida, está a começar ou a continuar um mesmo "desalento", uma mesma melancolia.